terça-feira, 1 de novembro de 2011

Pulso e língua: qual o seu verdadeiro valor semiológico – parte I

Recentemente, numa discussão que se seguiu à publicação dos textos “È sintomático”, foi colocada uma questão interessante. O facto da MTC não ser capaz de fazer diagnóstico na ausência de sintomas, não significa que não seja capaz de o fazer a partir de sinais clínicos. -
Efectivamente os sinais clínicos são muito usados em MTC. Os mais usados dizem respeito à observação de língua e palpação do pulso. No entanto existem outros sinais clínicos. A palpação de zonas de dor permite obter sinais clínicos relevantes para o diagnóstico – dor melhora/agrava com palpação superficial ou profunda -, permite saber se a pele se encontra fria ou quente ao toque. A observação da zona permite saber se existe atrofia muscular ou palidez ou rubor, por exemplo.
Na maior parte das vezes os profissionais dão mais importância à observação da língua e palpação do pulso. Quando escrevi sobre a importância do sintomas em MTC fui contrariado por leitores que falavam sobre a importância da análise da língua e do pulso.

Um deles, escreveu:
“O que a MTC pode oferecer é diagnosticar precocemente um vazio de Rim, Yuan e/ou Jing Qi, por exemplo, havendo no mínimo sinais na língua e o pulso, se não houver dores de joelhos, dor lombar, etc etc etc.”[i]
Na altura respondi:
“Como é possível diagnosticar um Vazio de Yang do Rim sem sintomas? Pela língua ou pelo pulso? A língua e o pulso são sinais clinicos muito limitados, não só porque são facilmente alteráveis, como pela falta de especificadade na informação que oferecem. Tem lógica analisá-los enquandrados nos sintomas.”[ii]
A resposta, na altura, não se fez esperar:
““A língua e o pulso são sinais clinicos muito limitados”
Diga isso aos vários mestres que o fazem. Eu não consigo e o Nuno também não,”[iii]
O José, autor destes comentários, tem razão numa coisa. Efectivamente existem imensas pessoas a fazer diagnóstico quase só pela língua e pulso. São sinais clínicos relevantes para a Medicina Chinesa e existem imensos médicos chineses que lhes dão imensa importância. Obviamente que existem pequenas divergências entre profissionais e escolas.
não é por ser uma prática muito usada que a torna mais correcta. Nem faz com que a língua ou o pulso sejam verdadeiramente independentes dos sintomas. E eu também acho que tenho razão relativamente ao que escrevi. Como tal somos obrigados a levantar uma questão. A questão, que nos preocupa, é esta: qual o verdadeiro valor semiológico destes sinais clínicos? Poderei usar estes sinais, na completa ausência de sintomas, e fazer um diagnóstico correcto?
A minha resposta imediata é não, como o leitor já deve ter reparado. É totalmente impossível fazer um diagnóstico acertado só com base no diagnóstico pela língua e pulso. São sinais clínicos com poder semiológico muito limitado, podem ser facilmente viciados, e quase nunca são usados independentemente da análise dos sintomas, especialmente se se deseja fazer uma diagnóstico correcto.
Olhar para a língua, oferece informações clínicas, de acorodo com a teoria clínica da MTC. Mas essas informações são muito vagas. Ver uma ponta da língua vermelha pode ser um problema circulatório, pode ser um problema cardíaco, pode ser insónia ou agitação física ou psíquica ou o facto da paciente ter esticado demasiado a língua – se mantiver o língua de fora algum tempo vai ver que a cor muda. Diferentes pessoas levam tempos diferentes a ficar com a língua de cor diferente.
Verdade seja dita: língua com ponta vermelha não nos diz nada acerca do estado de saúde da paciente. Diz somente que existe a possibilidade de ter calor no AS (Aquecedor Superior). Em termos clínicos isso é a mesma forma que dizer que existe um tipo chamado Nuno Lemos no planeta Terra. Boa sorte para saber quem é, onde vive, de onde veio, qual dos vários Nuno Lemos existentes é que se pretende e onde se encontra neste momento (bem talvez este exemplo esteja exagerado, uma vez que existem mais pessoas no planeta que sintomas no corpo humano.)
Bordos da língua pálida podem indicar um vazio de sangue do fígado, por exemplo. Mas também podem indicar um vazio de qi do fígado. E além disso não nos dizem nada acerca de possíveis patologias do paciente. Ou seja, somente a observação da língua nem nos permite diferenciar 2 padrões clínicos distintos no mesmo órgão. E muito menos nos pode informar acerca das queixas (queixa principal ou doença) da paciente.
Uma paciente pode ter amenorreia por vazio de sangue do fígado, palpitações por vazio de qi do coração e vesícula biliar, ou alterações oculares por vazio de sangue do fígado, etc… Boa sorte para conseguir definir o que essa paciente tem, olhando somente para a língua. A presença de sintomas (dismenorreia, dor, alterações de apetite, sudação profusa, etc…), as características próprias desses sintomas (dismenorreia que agrava antes do período menstrual, dor com sensação de peso, sudação profusa que agrava com esforço físico) ou a relação formada entre eles (estados de irritabilidade desencadeiam vómitos, ansiedade que gera palpitações, astenia física que gera tonturas, etc…) são características essenciais para se fazer um diagnóstico e nenhuma delas é percebida pela observação da língua ou a palpação do pulso.
Por muito difícil que seja para alguns praticantes, sem sintomas não há diagnóstico em MTC. O diagnóstico baseado unicamente em sinais clínicos como a língua ou o pulso é tão fantasista e tão incerto quanto as certezas dos EUA sobre as armas de destruição maciça no Iraque. Pode-se protestar à vontade, podem inventar-se os argumentos que se desejar… elas, simplesmente, não aparecem.

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